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terça-feira, 3 de novembro de 2009

“Jesusalém”, o novo romance de Mia Couto


“Jesusalém” é classificado pela Caminho como “a mais madura e mais conseguida obra de um escritor no auge das suas capacidades criativas”.O romance começa assim: “Profundamente abalado pela morte da mulher, Dordalma, aquela que era ‘um bocadinho mulata’, Silvestre Vitalício afasta-se da cidade e do mundo. Com os dois filhos Mwanito e Ntumzi, mais o criado ex-militar Zacarias Kalash, faz-se transportar pelo cunhado Aproximado para o lugar mais remoto e inalcançável.Aí, numa velha coutada de caça em ruínas, funda o seu refúgio, a que dá o nome de Jesusalém, porque a vida é demasiado preciosa para ser esbanjada num mundo desencantado”.Mia Couto nasceu na Beira, em Moçambique, em 1955, e depois de ter sido jornalista é hoje em dia professor, biólogo e escritor. Na Feira Internacional do Livro do Zimbabwe, “Terra Sonâmbula” foi considerado um dos doze melhores livros africanos do século XX. Em 1999 ganhou o Prémio Vergílio Ferreira e em 2007 o Prémio União Latina de Literaturas Românicas.
A RAPOSA E A ÁGUIA


A raposa e águia andavam unidas por uma grande amizade e, para a selar, fizeram a seguinte promessa: qualquer coisa que uma pedisse, a outra, fosse o que fosse, lho daria sem exigir nada em troca.
Um dia a raposa disse ao filho:
- Vai e diz à águia que o teu pai precisa de uma pena para arranjar a flecha.
O miúdo saiu a correr, mas no caminho encontrou um animal muito matreiro que se chamava Karematoko. Este perguntou-lhe aonde ia.
- Vou ter com a águia para lhe pedir uma pena para o meu pai.
- Entendeste mal, raposito; o teu pai quer as penas todas.
O raposito hesitou um pouco, mas mesmo assim prosseguiu o caminho e pediu à águia que lhe desse as penas todas.
A água levou a mal um pedido tão descabido, mas recordando-se da promessa feita, deixou-se depenar.
A raposa, ao ver regressar o filho com aquelas penas todas, alarmou-se, mas pensou que a sua amiga queria provar-lhe a sua grande amizade.
Algum tempo depois, a águia mandou a filha pedir à raposa um pêlo para limpar as orelhas. A aguiazinha pôs-se a caminho e encontrou-se também com Karematoko que lhe perguntou:
- Aonde vais com tanta pressa?
- A casa da raposa pedir um pêlo para a minha mãe – respondeu a aguiazinha muito aflita.
- Entendeste mal, a tua mãe quer a pele toda.
A avezita hesitou um pouco, mas logo foi com a raposa e pediu-lhe a pele toda. A raposa recordando-se da generosidade da sua amiga, deixou-se esfolar.
Esfolada uma, depenada outra, a raposa e águia encontraram-se um dia e, conversando entre si, chegaram à conclusão que tinham sido ludibriadas pelos filhos.
Ao chegar à casa, cada uma deu uma valente sova ao seu rebento. Os pobrezinhos, pálidos e magoados, encontram-se e resolveram por sua vez dar uma lição a Karematoko, mas, como era de esperar, ele tinha-se escondido e não aparecia. Ambos aprenderam que:

Quem nos seus próprios pais não se fia, num mar de dores acaba um dia.

António Pereira, Fábulas africanas, Editorial Além-Mar.